quarta-feira, 18 de março de 2009

[CRÔNICA] Adiós Muchachos

O que você quer ser quando crescer?

"Salva-vidas" respondia invariavelmente o menino. Mentia. No íntimo, sonhava em ser Tintin, aventureiro solto no mundo, repórter, herói, resolvendo crises internacionais, desbaratando quadrilhas, divertindo-se um bocado. E Tintin ainda conseguia ser jornalista, sem escrever uma linha sequer. Em nenhuma das inúmeras aventuras pelo planeta, o repórter Tintin enviou uma matéria que fosse. Não precisava: ele era sempre a notícia.

No desejo de ser Tintin, o menino quase ficou tanta.

Pois o garoto cresceu e virou de fato um globe-trotter. Só para aprender que a vida nômade não passa de uma sucessão de encontros e despedidas. Perseguindo o mapa das encrencas, crises, guerras e revoluções, ele conheceu gente diante de situações-limite. E, nesses momentos, as amizades ganham uma intensidade insuspeitada em tempos de normalidade.

Assim, o menino ganhou amizades eternas que duraram três dias. Mais do que arte do encontro, a vida é o aprendizado da despedida. Pois a única conseqüência garantida do "muito prazer" é o adeus.

Dizem que os bebês choram quando a mãe se ausenta por dez minutos, pois para eles aquela foi uma partida definitiva. Eles não sabem que as pessoas vão e voltam. E quem sabe?

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Não é melancolia, nem filosofia.

A indústria de fatos.segue, uma crise ali, um divórcio aqui, uma guerra, uma eleição — nos jornais, o mundo ganha uma ordem que não tem. Informar quer dizer "impor forma". Nas sociedades mais avançadas, há uma aparência de ordem. As instituições funcionam como camadas, que abafam, mascaram e organizam as relações essencialmente primitivas dos homens. Em matéria de emoções e necessidades, somos todos trogloditas.

Em momentos de crise e convulsão social, as camadas institucionais desabam e tornam aparente o emaranhado caótico das relações humanas. Esse mesmo caos está presente em sociedades desenvolvidas, mas é invisível. Porém, sob a ordem aparente, há sempre uma sociedade rebelde e dinâmica, que não obedece à lei do Estado. Em alguns casos, chama-se economia paralela; em outros, simplesmente Máfia.

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Repórteres marcam gols quando revelam a intimidade entre as camadas mais visíveis e respeitáveis da sociedade e esse submundo paralelo. O Estado não só é impotente diante essa sociedade invisível, como também depende de seus mecanismos. Há uma promiscuidade onipresente entre lei e crime. Em alguns países, como o Brasil e a Rússia, essa promiscuidade é transparente, escandalosa. Nos Estados Unidos ou na Grã-Bretanha, esses laços escusos também existem e muitas vezes são o combustível da prosperidade. Em países como a Itália e a Espanha, essas ligações perigosas chegaram às primeiras páginas e aos tribunais.

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O primeiro-ministro espanhol Felipe Gonzales sempre disse que não sabia de nada. Na melhor das hipóteses, é ignorância. Na pior, hipocrisia.

Escrevo antes do resultado das eleições na Espanha. Às vésperas da votação, todos anunciam a derrota do filipismo. A primeira vitória da direita espanhola desde a morte de Franco não deve ser interpretada ideologicamente. O povo precisava dizer não, o que é muito diferente de dizer sim a José Maria Aznar. “Treze anos de poder" conduzem à arrogância. Mesmo simpático e carismático, Gonzales caiu na arapuca da soberba. O homem que conduziu a Espanha à democracia, com o auxílio luxuoso do rei Juan Carlos, virou um ditador dentro de seu próprio partido. E fechou os olhos diante da corrupção.

Porém, mais do que a roubalheira, foi o desemprego que condenou Felipe Gonzales. José Maria Aznar promete resolver esse problema. Duvido. As economias ocidentais estão presas à contradição de retomada do desenvolvimento sem a criação de novos empregos. Desemprego não é mais um problema nacional, e sim a conseqüência da nova regra do jogo mundial, que no Brasil gostam de chamar de neoliberalismo.

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A personagem mais divertida da política espanhola chama-se Cristina Almeida. É uma senhora gordota e hiperativa, que parece saída de um filme de Almodóvar. Entre suas façanhas, destaca-se a sedução de Sadam Hussein. Cristina foi a primeira emissária estrangeira a conseguir libertar os seus nacionais, parte do escudo humano de Sadam depois da invasão do Kuwait. Em meia hora de conversa com o ditador iraquiano a espanhola conseguiu a libertação de todos os reféns espanhóis, e acabou dando conselhos a Sadam sobre dores na coluna. Cristina Almeida pode ser a próxima estrela da esquerda espanhola. Populista chique, ela tem uma resposta pronta, quando indagada sobre os seus quilinhos, muitos, a mais:

— Depois do regime de Franco, eu não faço mais regime nenhum...

março/96


Pedro Bial

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